Glicose 6-fosfato desidrogenase: deficiência genética ou presença de variantes genéticas em eritrócitos.
Relato de caso
R.V.S.L, de 5 anos, sexo masculino, pardo, com infeções de repetição desde os 6 meses de vida: pneumonias (12), sendo 2 com derrame pleural, septicemia (1), sinusites (4), otites médias (3), estomatite (1), piodermite (1) e diarreias (2).
Necessitou ser internado 8 vezes.
Antecedentes neonatais sem intercorrências.
Aleitamento materno exclusivo até 4 meses e misto até 4 anos.
Diagnóstico de deficiência de G6PD em eritrócitos com 6 meses de vida.
Esquema de vacinação de acordo com o recomendado pelo Ministério da Saúde, sem apresentar reações.
Pais sem história de consanguinidade.
Irmão falecido aos 3 anos por quadro séptico, pneumonia, abscesso pulmonar e hepático.
Pai e irmã com traço falciforme.
Ao exame físico apresentava-se pálido, amígdalas hipoplásicas, linfonodos presentes e sem alterações, com baqueteamento de dedos, fígado a 5 cm do RCD e baço a 8 cm do RCE.
Avaliação diagnóstica: Na e Cl no suor sem alteração, pesquisa para refluxo gastresofágico negativa, cintilografia pulmonar com ausência de perfusão em pulmão esquerdo, broncoscopia com granuloma.
Hemogramas pregressos: anemia, leucocitose, neutrófilia e eosinofilia; hemograma atual: melhora dos parâmetros hematológicos (Tabela1).
Níveis de imunoglobulinas (IgG, IgA, IgM) aumentados
Anticorpo (IgG) positivo para sarampo e rubéola e negativo para vírus da imunodeficiência adquirida.
Subpopulacões de linfócitos CD3, CD4 e CD8 com valores normais.
Reação de Mantoux de 11mm.
A avaliação do sistema complemento pelo CH50 mostrou atividade normal.
Avaliação de fagócitos: Teste do Nitrobluetetrazolium (NBT): 6% paciente versus 78% do controle e da Dihydrorhodamina 123 (DHR): índice de estimulação de 5 vezes no paciente versus 87 vezes no controle
Avaliação da atividade NADPH oxidase dos leucócitos: quantificada a cinética de liberação de superóxido nos tempos 0, 5, 15, 25, 45 e 60 minutos, segundo a redução do citocromo c especificamente inibida pela superóxido dismutase, em condições espontâneas ou mediante estimulação com forbol miristato acetato (PMA, 30 nM), conforme descrito por Condino-Neto e colaboradores (1996).
Dosagem da G6PD em eritrócitos de 1,8 ul/gHb/min a 37 (12,1+/- 2,09), demonstrando acentuada deficiência da enzima G6PD.
Feita Hipótese Diagnóstica de deficiência de G6PD. Foi então introduzido cotrimoxazol para uso contínuo em dose terapêutica com controle dos quadros infecciosos, melhora da anemia e da leucocitose e redução do baço.
Definição
Deficiência de G6PDO, um defeito na derivação da via da hexose monofosfato, é o distúrbio mais comum do metabolismo dos eritrócitos. O gene da G6PD está localizado no cromossomo X e exibe uma grande quantidade de variação (polimorfismo) resultando em uma gama de atividade de G6PD de normal a gravemente deficiente. As variantes são classificadas de I a V de acordo com a intensidade da atividade da enzima G6PD. Como o gene está ligado ao cromossomo X, os homens têm mais probabilidade de apresentar hemólise com repercussão clínica, embora as mulheres homozigóticas ou heterozigóticas com inativação do X distorcida que resulta em uma alta proporção de cromossomos X comprometidos também possam ser atingidas.
Esse defeito ocorre em cerca de 10% dos homens negros e em < 10% das mulheres negras nos EUA e em menor frequência em pessoas da região mediterrânea (p. ex., italianos, gregos, árabes, judeus sefarditas) e pessoas com descendência asiática.
Causa (origem)
A deficiência de G6PD torna o eritrócito suscetível ao estresse oxidativo, o que diminui a sobrevida dos eritrócitos. A hemólise ocorre depois de estresse oxidativo, comumente após febre, infecção bacteriana ou viral aguda e cetosidose diabética. A hemólise é episódica e autolimitada, embora raros pacientes tenham hemólise crônica e contínua na ausência de estresse oxidativo.
Com menor frequência, a hemólise ocorre após a exposição a fármacos ou outras substâncias que produzam peróxido e causem oxidação da hemoglobina e membranas dos eritrócitos. Esses fármacos e substâncias são primaquina, salicilatos, sulfonamidas, nitrofuranos, fenacetina, naftaleno, alguns derivados da vitamina K, dapsona, fenazopiridina, ácido nalidíxico, azul de metileno e, em alguns casos, feijão. A quantidade da hemólise depende do grau de deficiência de G6PD e do potencial oxidante do fármaco.
Sinais e sintomas
Na maioria dos casos, a hemólise atinge < 25% da massa eritrocitária e causa icterícia transitória e colúria. Alguns pacientes têm dor lombar e/ou abdominal. Mas quando a deficiência é mais grave, a hemólise profunda pode causar hemoglobinúria e lesão renal aguda.
Diagnóstico
Esfregaço periférico
Teste de G6PD
Considera-se o diagnóstico para pacientes com evidências de hemólise aguda, particularmente em homens com anemia hemolítica negativa para antiglobulina direta. Durante a hemólise ocorre anemia, icterícia e reticulocitose.
O esfregaço de sangue periférico pode revelar eritrócitos que parecem ter uma ou mais mordidas (1 mícron de largura) na periferia da célula (células mordidas ou bolhosas) e eritrócitos com inclusões denominadas corpúsculos de Heinz, que são partículas de hemoglobina desnaturada, que só podem ser reconhecidos por colorações especiais. Essas células podem ser vistas no início durante o episódio hemolítico, mas não persistem em pacientes com baço intacto, que as removem. Existe um teste de atividade da G6PD. No entanto, durante e imediatamente após o episódio hemolítico, os testes podem mostrar resultados falso-negativos por causa da destruição dos eritrócitos mais velhos, mais deficientes e pela produção de reticulócitos, que são ricos em G6PD. Assim, pode ser necessário repetir o teste várias semanas após o episódio agudo. Existem vários testes de rastreamento, bem como testes rápidos a serem feitos durante o atendimento; confirmar os resultados positivos com um exame quantitativo.
Tratamento
Evitar os gatilhos, suspender o fármaco ou substância deflagradora e prover medidas de suporte
Ao longo da hemólise aguda, o tratamento é de suporte; as transfusões são raramente necessárias. Os pacientes são aconselhados a evitar fármacos ou substâncias que iniciem a hemólise.
Referências bibliográficas
BRAUNSTEIN, Evan M. Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD). Manuais MSD edição para profissionais. Disponível em: <https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/hematologia-e-oncologia/anemias-causadas-por-hem%C3%B3lise/defici%C3%AAncia-de-glicose-6-fosfato-desidrogenase-g6pd>. Acesso em: 7 jul. 2022.
ROSA-BORGES, Abertina; SAMPAIO, Márcia G.; CONDINO-NETO, Antônio; et al. Scielo.br. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/jped/a/w3R6rhYtKGmFpBFfzVBMrsN/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 7 jul. 2022.
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