Relato de caso:
Motivo da consulta:
Homem de 40 anos, natural de Lisboa, enviado pela Cirurgiã Cardiotorácica após bypass coronário e por dificuldades no controlo de lípidos com a terapêutica com estatinas.
História atual:
O doente teve como manifestação inaugural da sua cardiopatia isquémica um episódio de dor retro-esternal opressiva desencadeada após esforço físico intenso (10 km de corrida), motivo pelo qual foi ao serviço de urgência. As investigações decorrentes do diagnóstico de enfarte agudo do miocárdio que antecederam a terapêutica de revasculização cirúrgica, identificaram doença coronária grave nas artérias descendente anterior e coronária direita.
Antecedentes Pessoais:
Colesterol total (CT) >300 mg/dL desde os 20 anos, sem adesão à terapêutica com estatinas devido ao receio dos efeitos adversos para a prática desportiva intensa (corrida) desde os 20 anos (± 6h/semana), e xantomas articulares desde os 22 anos.
História familiar:
O pai, com FH não tratada, faleceu aos 45 anos com enfarte do miocárdio fulminante e tem um sobrinho com FH grave.
Fenótipo:
Xantelasmas peri-orbitais exuberantes, xantomas nas articulações dos cotovelos, nas mãos e nos tendões de Aquiles. No perfil bioquímico com terapêutica com Atorvastatina 40 mg mantinha CT: 375mg/dL, C-LDL: 221mg/dL, C-HDL: 51mg/dL, apoAI: 114mg/dL, apoB: 134 mg/dL e triglicéridos (TG): 68 mg/dL. O estudo ecográfico com Doppler carotídeo revelou discreto espessamento do complexo intima/média, discretas placas ateromatosas que não condicionam estenoses hemodinamicamente significativas e uma placa de ateroma calcificada com cerca de 0,58cm.
Evolução:
Após aconselhamento genético sobre a história natural da FH heterozigótica4,5 e a importância das medidas interventivas com as terapêuticas dietética e farmacológica, modificámos a terapêutica habitual do doente para Atorvastatina 80mg e Ezetimibe 10mg. O doente decidiu, autónoma e voluntariamente, não efetuar estudos genéticos. Os familiares foram informados pelo doente que poderiam decidir efetuar o estudo da condição de portadores e/ou doentes com FH na consulta de Genética Médica, através do diagnóstico clínico, estudo de órgãos alvo, terapêuticas preventivas e estudos genéticos.
Definição: A hipercolesterolemia é uma condição em que o organismo do indivíduo apresenta taxas elevadas de colesterol ruim (LDL), que podem trazer inúmeros malefícios ao organismo. O principal risco da hipercolesterolemia é que ela não tem sintomas que sejam visíveis e notáveis ao paciente, sendo majoritariamente uma condição invisível, em que o problema geralmente só é percebido quando já há um dano alto, que pode inclusive ser irreversível. De modo geral, a hipercolesterolemia é descoberta em exames de sangue de rotina e uma condição como essa acaba reforçando a necessidade de se fazer exames de sangue a cada ano.
Sintomas:
A condição cursa em silêncio e, sem controle, pode ter como a primeira manifestação um infarto do miocárdio ou mesmo um acidente vascular cerebral. Contudo, é importante lembrar que a hipercolesterolemia quase sempre está acompanhada de outras condições que favorecem a ocorrência desses eventos, como o sedentarismo e a obesidade.
Fisiopatologia:
A hipercolesterolemia é decorrente do funcionamento defeituoso de um receptor da superfície celular que capta o LDL circulante causado por mutação do receptor do LDL (LDLR). É, sem dúvida, a causa mais comum de HF. Trabalhos subsequentes revelaram que existem numerosas diferentes mutações na proteína do receptor de LDL (até o momento já foram listadas mais de 1.700 mutações), incluindo grandes rearranjos no LDLR, término prematuro dos códons, substituição simples de aminoácidos, mutações na região promotora que afeta a transcrição do gene e mutações que afetam a ligação do RNA pré-mensageiro. Todavia, nem todos os pacientes com HF têm mutações nos LDLR; mutações da APOB, PCSK9 e LDLRAP1 podem também afetar a funcionalidade dos LDLR. Todas essas condições estão associadas a níveis elevados de LDL-c. O fenótipo clínico é muito semelhante entre as três formas de HF.
Causa (origem):
Resultante de uma predisposição genética, ou seja, da herança de alterações nos genes que interferem no metabolismo de gorduras, associada a uma vida sedentária e a uma alimentação pouco saudável, com a ingestão farta e frequente de gordura animal e do tipo trans, presente em margarinas, biscoitos, salgadinhos, fast food e diversos outros produtos industrializados.
No entanto, algumas doenças também causam níveis elevados de colesterol, a exemplo do hipotiroidismo, da insuficiência renal e de problemas no fígado.
Tratamento:
A hipercolesterolemia pode ser tratada com o auxílio de medicamentos que ajudam no controle da taxa de colesterol ruim correndo no sangue, especialmente as estatinas, que agem diretamente no fígado, o órgão que produz o colesterol, inibindo a ação de uma enzima essencial para a formação do LDL. No entanto, somente os medicamentos muitas vezes não conseguem tratar para sempre a hipercolesterolemia. Sendo assim, uma vez que essa condição é identificada, é preciso promover uma mudança nos hábitos de vida, que envolva uma alimentação mais saudável em conjunto com a prática de exercícios físicos, que ajudem na saúde do coração.
Referência bibliográfica:
Hipercolesterolemia. Disponível em: <https://www.rededorsaoluiz.com.br/doencas/hipercolesterolemia>. Acesso em: 9 jul. 2022.
Disponível em: <http://departamentos.cardiol.br/sbc-da/2015/publicacoes/revistas/Cardiolipes/2014/CARDIOLIPIDES-Vol5N2.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2022.
Hipercolesterolemia. Disponível em: <https://www.fleury.com.br/manual-de-doencas/hipercolesterolemia>. Acesso em: 9 jul. 2022.
ESPINHEIRA, M. DO C. et al. Hipercolesterolemia – uma patologia com expressão desde a idade pediátrica. Revista portuguesa de cardiologia [Portuguese journal of cardiology], v. 32, n. 5, p. 379–386, 2013.
Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Isabel-Gaspar-2/publication/311847996_O_fenotipo_da_Hipercolesterolemia_Familiar_grave_casos_clinicos/links/585d4fb508ae6eb8719ff59c/O-fenotipo-da-Hipercolesterolemia-Familiar-grave-casos-clinicos.pdf>. Acesso em: 9 jul. 2022.
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