Relato de caso
Sexo feminino, 26 anos;
Admitida com 1 mês de vida por icterícia persistente, vómitos e hepatoesplenomegalia;
• Analiticamente com anemia, colestase, citólise hepática e coagulopatia;
O rastreio infecioso, metabólico, endocrinológico foram negativos; aos 4 meses efetuada biópsia hepática com presença de fibrose;
Iniciada vitamina K com resolução da icterícia aos 5 meses, mantendo disfunção hepática;
Valorizados sinais dismórficos e aos 2 anos efetuou estudo da transferrina deficiente em carbohidratos com resultado anormal; perante suspeita de deficiência fosfomanose-isomerase iniciada manose sem melhoria;
Posteriormente a focagem isoelétrica da transferrina revelou padrão tipo II. Nunca registou hipoglicemias. Aos 8 anos diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1;
Na adolescência instalação de escoliose, hematúria e microalbuminuria recorrentes com diagnóstico de glomerulonefrite membrano-proliferativa;
Manteve desenvolvimento psicomotor e avaliações cardíaca, neurológica e oftalmológica normais;
O exame em trio identificou uma substituição de novo em heterozigotia c.1267C>T no gene SLC37A4.
Esta variante altera a localização do G6PT1 provocando um CDG tipo II (SLC37A4-CDG).
Definição
São um grupo de doenças hereditárias que afetam a glicosilação, um processo pelo qual todas as células humanas acumulam açúcares de cadeia longa que estão ligados a proteínas. Em conjunto, as proteínas e os açúcares a elas ligados denominam-se glicoproteínas.
As glicoproteínas têm uma enorme variedade de funções muito importantes no corpo humano, e são necessárias ao crescimento e funcionamento normal de todos os tecidos e órgãos. A CDG é uma doença muito rara, sua prevalência é estimada em 1:50 000 a 1:100 000.
Sintomas
De uma forma geral, o atingimento neurológico é o mais frequente (por exemplo ataxia, alteração do tónus muscular, atraso do desenvolvimento ou epilepsia), mas pode não estar presente. É também comum o envolvimento oftalmológico, esquelético e hepático.
Existe ainda um conjunto de manifestações clínicas sugestivas deste grupo de doenças, nomeadamente dismorfias faciais típicas, a presença de mamilos invertidos, estrabismo e a distribuição anormal da gordura corporal.
Muitos doentes apresentam também alterações analíticas associadas à hipoglicosilação, que são pistas diagnósticas (por exemplo a diminuição de alguns factores da coagulação) e alterações na ressonância magnética cerebral (por exemplo a hipoplasia do cerebelo).
Causa (origem)
A nível das células, um grande número de proteínas e de lípidos encontra-se ligado a cadeias de açúcares, chamados glicanos, que são importantes para a aquisição da sua forma, estabilidade e funcionamento, nomeadamente na interação com outras moléculas. A este processo designa-se glicosilação. Nestas doenças ocorre um erro genético que altera a síntese e acoplamento dos glicanos.
Como as glicoproteínas e glicolípidos finais têm localizações e funções muito diferentes dentro das células, dependendo do defeito e, consequentemente do tipo e número de glicoproteínas/glicolípidos afetados, podemos ter doenças com vários órgãos atingidos.
Diagnóstico
O diagnóstico dos defeitos congénitos da glicosilação é um desafio, dado a grande variabilidade de manifestações e a ausência de um exame diagnóstico global e único. Muitas vezes é utilizado um teste de rastreio, a focagem isoelétrica de transferrina, mas que apenas é positivo em cerca de metade dos casos.
Assim, a suspeição clínica é fundamental, devendo ser equacionado como hipótese diagnóstica em qualquer quadro clínico inexplicado.
Tratamento
Atualmente apenas estão disponíveis tratamentos para alguns tipos de defeitos congénitos da glicosilação, que incluem a suplementação dietética (por exemplo galactose no PGM1-CDG e manose no MPI-CDG) ou a transplantação de órgãos (por exemplo transplante hepático no MPI-CDG), havendo, contudo, a expectativa de que a investigação em curso possa permitir desenvolver novas terapêuticas.
Nos restantes casos, existem tratamentos dirigidos ao controlo dos sintomas e prevenção, que permitem melhorar a qualidade de vida dos doentes e seus cuidadores. Para isso, é fundamental que os doentes sejam acompanhados por uma equipe multidisciplinar e num centro com experiência no seguimento destas doenças.
Referência bibliográfica
https://spp.eventkey.pt/reports/reports.aspx?ref=resumofinal1&evento=10&form ulario=30&render=pagina&cod=11634&chave=0033620972
https://www.atlasdasaude.pt/artigos/doencas-congenitas-da-glicosilacao-faltade-informacao-e-um-dos-principais-
entravesao#:~:text=Que%20sinais%20podem%20indicar%20a,envolvimento%20oftalm ol%C3%B3gico%2C%20esquel%C3%A9tico%20e%20hep%C3%A1tico.
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